sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Prá Inglês Ver

Costumávamos recortar letras de música americana nas revistas da época. Tudo era meticulosamente colado num caderno tal e qual os álbuns de figurinhas. Finais dos anos 50. A música dos gringos predominava nas emissoras de rádio – Rádio Eldorado.
Geraldo meu irmão, mesmo não cantando, junto como eu fazia gostava de ouvir os programas musicais. Ficávamos horas e horas nos deliciando com os repertórios de Cole Porter, Gershwin, Ray Connif, Rogers e Hammerstein. Depois o Rock and Roll dominou!!!

Temas de filmes embalavam sonhos, fantasias ao mesmo tempo em que abrasavam os corações. O American Dream com o pós-guerra contagiou o mundo. Parecíamos todos os adolescentes, pollyannas no otimismo e na paixão.

Corações apaixonados pelo american way of life, estudar inglês era impreterível!?... Mas, filhos de funcionários públicos, como pagar o curso? Minha mãe conseguiu ser admitida na Cia de Energia Elétrica distribuidora de luz no interior do RJ – Macabu depois Celf até se transformar-se na velha Cerj, hoje propriedade dos chilenos com o nome de Ampla – tendo herdado o monopólio do fornecimento de energia para todos os municípios do RJ com exceção da capital, a cidade do Rio de Janeiro.

Como filhos de funcionária da Cerj – D. Marita, vivíamos visitando o local de trabalho de mamãe. Era hábito as crianças acompanharem os pais para trabalhar...

O horário da repartição era a referência da agenda diária. Café da manhã ás 7:00 hs. Os pais iam para o trabalho e as crianças para a escola. A rotina do cotidiano incluía o horário rígido do almoço entre 11:30 hs e 13:30 hs e, a pontual reunião familiar em torno da mesa do jantar ás 19:00 hs. Eram horários imprescindíveis para todos estarem em casa, senão... Agüenta a carranca e a bronca de D. Marita. Assim, seguíamos sendo uma família típica e pequeno burguesa. Pai, mãe e um casal de filhos. A boy for you and a girl for me, uma de nossas(eu e adi) músicas favoritas, cantada pela loiríssima Dóris Day...

Geraldo dizia freqüentemente para mim: -“Vou estudar inglês na Cultura Inglesa.”

Tanto quis! Logo mamãe achou uma maneira para conseguir o dinheiro. Obteve permissão dos diretores da Celf para vender o cafezinho tradição das repartições públicas. Meu pai se encarregou de adquirir as recém fabricadas garrafas térmicas e, quem passava pelos departamentos dos funcionários? Ele mesmo o tímido Geraldo. Foi tanto o sucesso da empreitada que o dinheiro apurado deu para custear não só a Cultura Inglesa para Adi mas, também para mim... Elogios dos funcionários encheram-nos de orgulho... Bons tempos.

Olhando pela linha do tempo sei avaliar o significado da atitude do meu querido irmão. Passou por cima de preconceitos de classe mas conseguiu seu objetivo; estudar inglês na Cultura Inglesa onde tornou-se um aluno excepcional. Durante cinco anos recebendo mérito de melhor aluno, todo o tempo...

Foram anos bem difíceis de finanças. Por outro lado, as conquistas na área intelectual compensaram o sacrifício de mamãe e papai. Ambos Adi e Minaco (meu apelido) não decepcionavam quando o assunto era êxito intelectual.

Entre conceitos pragmáticos de influência norte-americana e a realidade dura do trabalhador brasileiro, nos tornamos os dois, marxistas de carteirinha e de movimento estudantil.

Era um eterno contraditório nos anos 60, principalmente os iniciais. Praticantes na 1ª Igreja Batista de Niterói e militantes das lutas sociais de forte influência cubana. Do mito Fidel Castro ao herói Che Guevara, tudo era aventura, emoção e suspense.

Entre o curso de medicina na Universidade Federal Fluminense (UFF) e as reuniões clandestinas na calada da noite, o futuro Dr. Geraldo deixava sua contribuição para a História da Democracia no Brasil.

Pelo meu lado ia me constituindo como professora de Historia também pela UFF e na preparação da celebração do casamento tão esperado por D. Marita.

Cumpra-se a tradição e o sonho de minha mãe: Filho Médico, Filha Professora (casada!!).

A pergunta que surge, entretanto é: “- Quanto de felicidade foi constituída em nossas vidas???”

Adi, meu irmão terá minha admiração eterna. Viveu como um grande homem na estatura de seu caráter invejável e, digno de ser imitado!

Te amo!